A partilha e a saga dos CNPJs esquecidos

A partilha e a saga dos CNPJs esquecidos

Não podemos negar a existência de um movimento de pejotização da vida das pessoas. Muitas são as razões: declínio das relações clássicas de trabalho, planejamento tributário, necessidade de apartar algum patrimônio. Ocorre que, no cotidiano do escritório de Direito de Família e das Sucessões, a existência de pessoas jurídicas desnecessárias vinculadas ao CPF das pessoas tem trazido dor de cabeça, custo e demora.

Há uma crença equivocada de que empresas não são nada. Ou seja, se eu sou sócia de uma empresa, mas não sou eu que a administro, eu não tenho relação com ela. Nada mais equivocado. Basta a existência de uma cota da pessoa jurídica para que o vínculo exista e que essa empresa tenha que aparecer nas partilhas a que a pessoa é submetida.

O que chamamos de CNPJs esquecidos

No dia a dia no escritório de Direito de Família e das Sucessões, fazemos muita partilha – tanto a de divórcio, quanto a de inventário. Por isso, frequentemente perguntamos sobre o patrimônio das pessoas e, ao final, fazemos a pergunta clássica: não está esquecendo de nada? Confirmado o patrimônio, é comum que apareçam depois a informação de que existia uma pessoa jurídica vinculada ao CPF do falecido ou de uma das pessoas em divórcio.

Quando vamos questionar por que não fomos informadas da existência da empresa, temos as respostas mais recorrentes:

– “Essa empresa não é minha, é do meu pai. Eu só emprestei o nome”.

– “Essa empresa não existe mais”.

– “Essa empresa não é minha, é só para meu pai me doar um dinheiro sem pagar imposto”.

– “Essa empresa nem tem mais movimento. Era só para eu emitir nota fiscal”.

– “Gosto de deixar essa empresa na gaveta para ter um CNPJ antigo se eu precisar”.

Se você se disponibilizou para “emprestar nome”, saiba das suas responsabilidades como sócio – inclua a empresa na sua partilha, ainda que a gestão não seja sua.

Se a empresa não existe mais, tem que dar baixa.

Se seu pai quer te doar dinheiro, declare a doação.

Se a empresa não tem mais movimento, por que ela continua existindo?

Se a empresa existe e está vinculada ao CPF da pessoa, ela tem que aparecer. Não dá para dizer ao fisco, a junta comercial e a terceiros que a empresa não é sua, mesmo sendo.

Transparência obrigatória

Toda partilha deve ser declarada ao fisco estadual. Se for a partilha de um divórcio, o fisco vai verificar se houve desequilíbrio na partilha e, em caso positivo, vai tributar como doação na modalidade excedente de meação. Se for a partilha de um inventário, o fisco vai tributar herança.

Os sistemas de declaração de tributos estaduais, como no caso do ITCD ou ITCMD, estão cada vez mais complexos, inteligentes e conectados a outros bancos de dados. É o caso da receita estadual de Minas Gerais e da JUCEMG. Quando declaramos uma partilha, o fisco mineiro cruza os dados e verifica se o CPF do falecido ou dos divorciados é conectado com algum CNPJ.

Com o cruzamento de informações em bancos de dados, é muito difícil que o vínculo de um CPF com um CNPJ passe despercebido. Portanto, é responsabilidade das pessoas declararem todas as empresas e pessoas jurídicas com que têm vínculos, inclusive se for um CNPJ de fachada. Para a receita estadual, nenhuma das respostas clássicas servem, por óbvio.

Os prejuízos de manter CNPJs fantasmas

Quando uma pessoa omite a existência de uma pessoa jurídica vinculada ao seu CPF ou do falecido de sua família, muitos são os prejuízos que podem aparecer:

1. Presunção de ocultação/fraude: se declaramos um patrimônio e depois a receita estadual aponta que faltava alguma coisa, como cotas de pessoa jurídica, há um risco relevante de perda de descontos ou a aplicação de multas. Ou seja, algo que poderia ter sido pensado para “planejamento tributário” pode sair do outro lado como multa.

2. Ter que obter documentos de difícil acesso: se participações societárias serão partilhadas, será necessário apresentar ao fisco balancetes e outros documentos que comprovem o patrimônio líquido e o valor daquela empresa. Imagina, no meio do seu divórcio, você ter que pedir ao seu primo o balancete daquela empresa que você nunca soube como funciona e só “emprestou o nome”. E pior. Descobrir que a empresa nunca foi organizada e nunca teve um balancete.

3. Demora no processamento da declaração fiscal: os fiscos estaduais têm muito mais atenção a partilhas com empresas. A existência de pessoas jurídicas em partilhas é uma bandeira vermelha para a receita pelo risco do uso para fraudes. Por isso, se houver uma empresa (ainda mais se antes ocultada), a partilha será submetida a um pente fino, que vai fazer com que aquela partilha demore muito mais.

Então, ter empresa é ruim?

Não, claro que não. Desde que a pessoa jurídica exista para um propósito e esteja organizada para ser submetida a uma partilha. A constituição de uma PJ é essencial para o exercício de uma atividade comercial e pode, sim, ser a forma como uma pessoa presta serviço e regulariza seus recebimentos. A pessoa jurídica deve ser organizada e manter os documentos contábeis em dia.

Agora, ter CNPJs desnecessários, abandonados e fraudulentos é, sim, muito ruim. A maior parte dos casos que vemos não é de fraude, é de esquecimento ou negligência mesmo. Isso que precisa ser debatido.

A pessoa que decidiu cometer uma fraude, está correndo um risco e pode ter que sofrer as consequências.

Mas ver pessoas idôneas tendo suas partilhas atrapalhadas, atrasadas ou com custo aumentado porque elas não tinham informação, é lamentável. Então, se você tem seu CPF ligado a pessoas jurídicas que você não precisa, que não têm mais atividade, pense com cuidado em extingui-las ou desfazer essa participação. E aproveita para mandar esse texto para quem você conhece que adora colecionar CNPJ.

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