Difícil pensar um ativo que dê mais confusão do que o inventário da conta bancária do falecido. Como muita gente tem medo de inventário (por favor, não tenha), há uma longa tradição de deixar os dados bancários com alguém de confiança para “tirar o dinheiro assim que eu morrer”.
Sem julgamentos morais, essa é uma conduta juridicamente equivocada. É o tipo de decisão que parece vantajosa no momento, mas cuja fatura chega e pode chegar muito cara.
Como se declara a conta bancária para o fisco
Uma das providências essenciais para um inventário é a declaração de bens à Receita Estadual para o cálculo do imposto de transmissão causa mortis – ITCD ou ITCMD. Todos os bens e dívidas deixados pelo falecido devem ser declarados ao fisco estadual.
Essa declaração deve ser acompanhada dos documentos que comprovem as informações e valores. O documento hábil para a declaração de uma conta bancária em nome do falecido é o saldo do dia do falecimento. Se a instituição bancária não fornecer um saldo exatamente do dia da morte, tem que ser um extrato em que essa informação esteja clara.
Não adianta saldo do dia anterior, nem do mês seguinte. Ainda que tenha entrado valores na conta depois, o número é o do dia.
Hoje as pessoas usam muito aplicativos de banco. Inclusive, não raro os herdeiros têm acesso ao aplicativo do banco do falecido. A fim de atender ao pedido do advogado de apresentação de saldos, saem fazendo prints em app. Prints sem a informação do banco, dos dados da conta, do nome do titular não servem para declarações oficiais. Busque documentos digitais em .pdf, feitos por download do site ou do aplicativo, que tragam todas os dados que conectam o falecido à conta e que preencham as exigências do sistema fiscal de declaração.
DICA EXTRA: Na hora de interpretar e declarar saldos bancários, cuidado com aplicações e resgates automáticos. A maior parte dos bancos trabalha com aplicações automáticas, pegando o saldo e colocando em uma aplicação vinculada à conta, que retorna como resgate automático para pagamento de contas e movimentações. Aplicações e resgates automáticos são o terror do advogado de patrimônio familiar! Se você não identificar essas operações, o valor pode acabar sendo declarado equivocadamente.
Como obter os saldos bancários
Como dito acima, não é raro que algum familiar tenha acesso à conta e consiga os saldos. Não vamos aqui questionar como e qual a legitimidade de acessar a conta de terceiros.
Contudo, parte-se do pressuposto que ninguém tem acesso a conta bancário do outro. Aí, para ter acesso aos extratos, é preciso a nomeação do inventariante.
Quando o inventário for judicial, é preciso fazer o pedido de nomeação de inventariante ao Juiz. Com a nomeação e o termo, o inventariante pedirá os extratos e saldos. Atenção a exigências desnecessárias! Às vezes, a pessoa que atende o inventariante no banco pede alvará. Isso não existe.
Quando o inventário for extrajudicial, é preciso fazer uma escritura pública preparatória de nomeação de inventariante para que o nomeado tome as providências. A lei que permite inventário extrajudicial é de 2007 e até hoje há atendentes em bancos que, frente a uma nomeação extrajudicial de inventariante, exigem uma decisão do Juiz. Nada mais descabido.
Quando o levantamento de informações bancárias for muito difícil – há herdeiros que não fazem ideia de onde o de cujus tinha conta, há bancos que dificultam muito o acesso a dados – é possível pedir ao Juiz uma pesquisa Sisbajud, que é o sistema conveniado do Poder Judiciário com o Banco Central. Assim, é possível, ao menos, apontar todas as instituições financeiras com as quais o inventariado tinha relacionamento para que o inventariante possa buscar os saldos.
Muitos Juízes ainda resistem em fazer essa pesquisa. Ela precisa de um token do Juiz e merece muito cuidado mesmo. Mas, a meu ver, a fim de evitar retificações e/ou sobrepartilha, todo inventário judicial deveria ter pesquisa Sisbajud como providência preparatória. Além da segurança, hoje há bancos digitais que sequer possuem agência para que a pessoa busque a informação. Cidades menores costumam ter uma ou duas agências ao todo. A providência no sistema conveniado supera todas essas dificuldades.
Como a conta bancária aparece no inventário
Tanto no inventário judicial, quanto no extrajudicial, a conta bancária constará das declarações e do plano de partilha, a ser dividida de acordo com a ordem de vocação hereditária ou testamento.
No inventário devemos declarar exatamente o que está na declaração de ITCD ou ITCMD. Ainda que se informe eventual acréscimo na conta ou rendimentos de aplicação, a declaração de valores deve ser um espelho entre ITCD e plano de partilha e, portanto, formal de partilha.
Como se levanta os valores da conta bancária depois do inventário
Com a escritura pública de inventário e partilha (no caso de extrajudicial) ou o formal de partilha (no caso judicial), assim como cópia da declaração de imposto, o herdeiro deve ir ao banco e pedir ao gerente o levantamento de seu quinhão.
O quinhão deve ser pago com as correções monetárias feitas a partir da data do falecimento, a partir da proporção apontada na partilha.
Mas não vou mentir para você. Há uma resistência inexplicável nos bancos para a liberação do dinheiro dos herdeiros. Não sabemos se é uma tentativa de forçar a permanência dos valores naquela instituição ou se é uma insegurança na leitura dos documentos e receio de entregar dinheiro que não é de quem está requerendo. O fato é que tem que ter jogo de cintura. Se você está assessorado por um advogado especializado em inventário, ele saberá te ajudar.
Mas vá ao banco acompanhado de um dos lemas do nosso escritório: paciência e persistência.
DICA EXTRA: Depois que todos os herdeiros levantarem seus quinhões nas contas, o inventariante deve cuidar de pedir o encerramento delas. Peça os extratos do último mês e verifique se há contas em débito automático que devem ser retiradas e se há cartão de crédito com compras parceladas para a quitação e cancelamento dos cartões.
O que fazer com contas zeradas
Não raro o falecido tinha uma ou mais contas zeradas. Às vezes, era uma conta que já estava inativa e ele, simplesmente, não fechou. Em outras oportunidades, é uma conta que foi esvaziada justamente em razão de necessidades de saúde que anteciparam o falecimento.
Ainda que não haja valores a retirar depois, vale a pena pegar o saldo do dia do falecimento, lançar a conta com saldo zerado na declaração de imposto e no inventário, e levar tudo ao banco depois para cuidar do encerramento da conta, mesmo zerada. Dificilmente o banco facilitará o encerramento da conta se ela não constar no inventário, ainda que zerada.
Essa é uma providência cuidadosa que pode fazer toda a diferença depois. Assim, garantimos a solução de todas as questões ligadas aos vínculos da pessoa falecida com instituições bancárias e evitamos, por exemplo, descobrir anos depois cobranças indevidas.
Sumir com o dinheiro não é solução
A verdade é que as pessoas têm um fascínio por correr na conta de uma pessoa falecida e tirar todo o dinheiro, a fim de evitar o pagamento de imposto, de custas e esconder dos profissionais a existência de valores.
Olha, pensa em uma péssima providência. É essa. E aqui não estou de falso moralismo. Já vi dar bloqueio de conta de quem recebe, briga entre irmãos porque há desconfiança do que foi feito com o dinheiro. E quando vem o saldo do dia, a movimentação aparece, não paga menos imposto e ainda fica uma presunção de má-fé por parte de quem fez. Não há vantagens.
Meios de ter liquidez no momento de perda
As pessoas costumam, antes de falecer, dar os dados bancários e recomendar o sumiço do dinheiro da conta. A ideia, comumente, é garantir que uma pessoa próxima tenha liquidez para as despesas funerárias e para as providências do inventário.
Ora, isso não é uma medida adequada e pode dar muita dor de cabeça. Existem produtos para isso: seguros de vida, seguro funerário, previdência privada. Eles são meios legais de levantamento imediato sem inventário.
Os desafios da conta conjunta
Outra solução que é recorrente é colocar uma pessoa próxima como cotitular da conta conjunta para que ela possa “regularmente” movimentar a conta depois do falecimento. Isso também não é adequado.
Uma coisa é uma conta verdadeiramente conjunta, que reflete uma comunhão de bens ou uma administração comum de rendas. Outra coisa é uma falsa cotitularidade, em que uma das pessoas está ali só para movimentar a conta de pessoa falecida.
O primeiro problema é que a conta está no CPF do falecido e, para ser encerrada, precisará ser declarada. Quando for declarada, será com o saldo da data do falecimento, pouco importando se o dinheiro foi tirado depois.
A ideia de não declarar a conta é péssima, pois pode vir a dar problema anos depois, quando será muito mais difícil retificar um inventário de conta não declarada.
Isso sem falar que, se isso for feito à revelia de outros herdeiros, será briga na certa. Eu sei que do que já vi.
O que acontece quando a única coisa é uma conta bancária
Há uma situação muito específica. É quando o falecido não tinha um patrimônio relevante, deixou uma conta bancária e ali tem um acerto do último salário ou outros valores de natureza tipicamente alimentar.
Nesses casos, vale consultar a Lei que dispõe sobre o pagamento, aos dependentes ou sucessores, de valores não recebidos em vida pelos respectivos titulares. É uma lei de 1980 que prescreve que devem ser levantados por alvará os saldos bancários e de contas de cadernetas de poupança e fundos de investimento de valor até 500 (quinhentas) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional, desde que não existam outros bens sujeitos a inventário.
O cabimento de alvará divide a jurisprudência. Mas, em casos de o falecido deixar só uma conta, vale consultar essa norma antes de pensar em inventário.